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domingo, 26 de fevereiro de 2017

Até Livro de Reclamações negam

Não esperava esta.

Desde pequeno que comecei a frequentar a pastelaria mais famosa da Buraca. Quando ia à catequese e à missa, no final às vezes eu e os meus colegas íamos comprar bolos com creme, como o mil folhas, o palmier recheado e a popular bola de Berlim.

A pastelaria enchia quando tinha batizados, casamentos e comunhões. Era muito frequentado pelas pessoas que vivem na Buraca, no bairro Alto Cova da Moura e no bairro do Zambujal.

Há uns dias entrei no estabelecimento e cumprimentei toda a gente. Depois de mim entrou uma senhora que estava a falar ao telefone. Eu estava a espera no balcão para ser atendido e foi quando notei que o funcionário da Pastelaria atendeu a mesma senhora que ainda estava ao telefone.

- Desculpe lá, eu estava aqui primeiro, disse.

A senhora respondeu-me logo:
- Ah desculpe-me, de facto este senhor estava a minha frente.
- Ta desculpada, mas a culpa não é sua, é do senhor. Ele me viu entrar.

O funcionário, sem ter terminado o pedido da senhora, dirigiu-se para mim e disse:
- O quê é que quer?

Vendo o seu ar com um certo desprezo respondi:
- Acho que é melhor agora terminar o que já começou e depois me atenda se faz favor.

Depois de terminar com a Senhora o funcionário dirigiu-se para mim e voltou a ser mal-educado.
- O quê é que tu queres?

Notando essa agressividade e desprezo comecei a ferver por todos os lados, consciente que não podia perder o controlo.
- Com essa atitude e sem um pedido de desculpas não me apetece pedir nada, afirmei eu.
- Tá bem tá, resmungou ele.

Ai tomei logo a atitude que já tinha decidido tomar nestas ocasiões. Sem exaltar pedi o livro de reclamações.

Isso fê-lo ainda mais tonto.
- Não temos não, não damos, disse, virando as costas para mim.

Eu fiquei estupefacto com a negação do livro de reclamações*. Vi à minha volta e estavam cerca de 10 pessoas no estabelecimento.

- Estão todos a ver? Ouviram que este funcionário não me quer dar o livro de reclamações?

Mais estúpido fiquei, porque ninguém respondeu. Outros foram saindo. Prossegui com o pedido, desta vez ao seu colega.
- Não ligue, ele não está bem, ele não o viu, esqueça lá isso.
- Eu já disse que quero o livro de reclamações.
- Não posso dar, o patrão não esta cá, concluiu a conversa.

Retirei-me do estabelecimento. As vontades eram muitas mas peguei nas minhas cenas e saí... E já não vou lá mais.


*Já denunciei a situação. Os estabelecimentos comerciais que neguem o acesso ao Livro de Reclamações estão sujeitos a coimas até 30 mil euros.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Histórias

De vez em quanto ainda peço à minha mãe para me contar algumas das suas histórias que passou em Lisboa. “Epá", diz ela, "nem imaginas o que passei no meu primeiro dia em Lisboa. Grávida de cinco meses e com três filhos não foi nada fácil. Aliás, foi um choque. Após várias tentativas notei que ninguém queria alugar-me um quarto. Não era devido à falta de quartos mas sim porque muitos senhorios não alugavam a Africanos na altura.  Desmoralizei com a situação. Mas graças a Deus apareceu uma Irmã da Santa Casa da Misericórdia que simpatizou-se comigo e com as crianças e foi aí que tive uma ajuda. Não sei o que seria de mim se isso não tivesse acontecido”.
     
“A situação era difícil”, continua o meu pai. “Também poucos que aguentavam pagar um aluguer devido à falta de trabalho e a baixos salários. Uma maneira de ter um tecto era comprar terrenos ilegais vendidos muitas vezes por agentes da GNR, como foi o meu caso. Tudo tem um preço, nha fidjo”, diz ele. “Falam muito das casas clandestinas mas não falam como foram adquiridas e nem do abuso que sofríamos todos os meses pela GNR que queria mesada. Se não déssemos, ameaçavam logo em deitar abaixo as nossas casas”, explica ele. “Os trabalhos eram a dias ou as obras. Era sem um dia de descanso porque incluía as obras da casa aos domingos”, diz exprimindo-se com o seu punho, como se estivesse a mostrar os sinais do trabalho duro.

Duro foi o efeito que teve na minha geração. Pouco era o apoio familiar devido a falta de tempo. Não haviam creches ou actividades que poderíamos frequentar. Vaguear nas ruas ficou um hábito. O refugio eram os amigos e o companheirismo que demonstravam. Por vezes não era a melhor opção, mas era o seguro e o familiar.

São tantas as histórias por aí mas precisam de ser ouvidas para continuarem vivas, prontas a serem divulgadas para a próxima geração. 

domingo, 18 de agosto de 2013

O puto

Me lembro que gostava muito de jogar a bola com os mais velhos lá da minha rua. Isso fazia-me sentir valorizado. O campo era a estrada, logo à frente das nossas casas. Os veículos circulavam com velocidade, quer de baixo ou de cima. Mas a malta assim que ouvia o barulho de um motor, parava logo o jogo. Parecia natural sentir a vir o perigo.

Estar com as mãos no chão era normal e sabia bem. Ora era jogar ao pião, à malha ou ao berlinde. Este último era um dos meus preferidos. Toda a rapaziada da zona desafiava -se entre eles. Os mais graúdos tentavam sempre jogar com os mais novos para acumular o máximo de berlindes e juntar à colecção. Eu fazia de tudo para não enfrentá-los mas às vezes era impossível escapar aos desafios e as apostas.


















Os carros era uma paixão minha, quase todos que passavam a rasgar na estrada gritava eu "Kel la é di meu".  Isso ajudou para criação de carros de caixas de fruta e madeira. Para mim eram ocasiões especiais. Sentia uma adrenalina enorme ao descer pela rua abaixo no meu carro. Por vezes fazíamos corridas com um final sem troféu mas com um sorriso gigantesco. As derrapagens e as curvas que levantavam poeira era uma maneira de exibir e mostrar controlo total do veículo. Às vezes lá surgia o descontrolo e as tombas. Tinha outros amigos que construíam viaturas de arame e lata que também era cool, e artístico.

Outras coisas que fazia era correr para todo o lado com aros de bicicleta ou pneus encontrados no lixo. Para mim era uma simulação de uma mota, na minha cabeça imaginária. Os para-choques dos carros abatidos que encontrava eram a minha canoa para deslizar numa descida de terra qualquer. Naquela época ser criativo era importante porque brinquedos não tinham. Ali tudo se transformava.