terça-feira, 26 de novembro de 2013

"Aqui as condições são poucas mas ninguém nos pode calar"

O mano Azagaia lançou o seu último álbum Cubaliwa (nascimento), então aproveito esta ocasião para falar um pouco do rap moçambicano.

Lembro-me umas das primeiras conversas que tive em Maputo: "Aqui é tudo underground. The real underground", reafirmava um amigo mc que conheci do bairro Triunfo. "Não vês o que nos rodeia? É tudo a dinheiro vivo, é o único país que não pagas nada com cartão multibanco. É tudo cash, man. Olha o negócio aqui, é só boladas. O rap moz é para alertar as pessoas das condições em que vivemos, da corrupção que existe, do abuso do poder que tem, da verdadeira realidade."

Mozambique é para mim um lugar maravilhoso mas nunca imaginei que tivesse uma tão forte massa de seguidores de música rap. Fiquei surpreso também pelas várias iniciativas que os próprios rappers fazem para promover os seus trabalhos pelo país. Entre as minhas paragens na cidade de Maputo assisti a workshops, concertos, palestras nas escolas e universidades. A maioria dos  lugares que andava ou frequentava a música que tocavam era o rap, especialmente o nacional. O que mais batia era o rap revolucionário que reflecte a realidade que povo vive.

O rap é tão influente que até parece perturbar o governo. Há artistas, como Azagaia e Tira Teimas, que tiveram problemas, mas pela adesão do povo foi impossível os parar. Em Moçambique não é fácil ser artista mas em contrapartida és um herói do povo se o rap for consciente.

"O rap aqui é sem censuras, é desabafar", diz-me um outro mc, do bairro Laulane. "É permanecer sempre underground com os pés bem assentes no chão. Aqui as condições são poucas mas ninguém nos pode calar."

Então vai aí um cumprimento ao rap moçambicano.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Mensagem de paz

Vamos, como comunidade, pensar sobre o que se passou na Cova da Moura no mês de Outubro de 2013.

Vamos ser mais unidos e proteger uns aos outros.

Vamos ser mais activos na comunicação e na interacção.

Vamos aceitar as diferenças e ouvir opiniões.

Vamos ter coragem e enfrentar todas as dificuldades.

Vamos dizer não a violência.

Vamos distribuir uma mensagem de paz.

























Vamos?

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Histórias

De vez em quanto ainda peço à minha mãe para me contar algumas das suas histórias que passou em Lisboa. “Epá", diz ela, "nem imaginas o que passei no meu primeiro dia em Lisboa. Grávida de cinco meses e com três filhos não foi nada fácil. Aliás, foi um choque. Após várias tentativas notei que ninguém queria alugar-me um quarto. Não era devido à falta de quartos mas sim porque muitos senhorios não alugavam a Africanos na altura.  Desmoralizei com a situação. Mas graças a Deus apareceu uma Irmã da Santa Casa da Misericórdia que simpatizou-se comigo e com as crianças e foi aí que tive uma ajuda. Não sei o que seria de mim se isso não tivesse acontecido”.
     
“A situação era difícil”, continua o meu pai. “Também poucos que aguentavam pagar um aluguer devido à falta de trabalho e a baixos salários. Uma maneira de ter um tecto era comprar terrenos ilegais vendidos muitas vezes por agentes da GNR, como foi o meu caso. Tudo tem um preço, nha fidjo”, diz ele. “Falam muito das casas clandestinas mas não falam como foram adquiridas e nem do abuso que sofríamos todos os meses pela GNR que queria mesada. Se não déssemos, ameaçavam logo em deitar abaixo as nossas casas”, explica ele. “Os trabalhos eram a dias ou as obras. Era sem um dia de descanso porque incluía as obras da casa aos domingos”, diz exprimindo-se com o seu punho, como se estivesse a mostrar os sinais do trabalho duro.

Duro foi o efeito que teve na minha geração. Pouco era o apoio familiar devido a falta de tempo. Não haviam creches ou actividades que poderíamos frequentar. Vaguear nas ruas ficou um hábito. O refugio eram os amigos e o companheirismo que demonstravam. Por vezes não era a melhor opção, mas era o seguro e o familiar.

São tantas as histórias por aí mas precisam de ser ouvidas para continuarem vivas, prontas a serem divulgadas para a próxima geração. 

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Fitcha coragi e busca vida

"Olha as batatas, olha as batatas!"
Esse é o grito de alerta aos sábados de manhã do vendedor na sua carrinha. As donas de casa reconhecem-no e de imediato saem lá para fora caso precisem de abastecer o cesto dos vegetais.
"É barato, já agora leve o azeite e a garrafa de vinho, faço a um preço de amigo", diz o vendedor e o cliente pergunta se não quer abaixar mais um pouco.

Pouco de pois aparece outra carrinha desta vez a buzinar. É a vendedora dos ovos e das galinhas. Naquele instante a rotina se repete. Todos os vendedores sabem que há sempre uma possibilidade de fechar um bom negócio e o cliente pensa o mesmo. Essa é a essência de mercado de rua no meu bairro.

Eu me lembro que nos anos 80 a banana era uma relíquia. A minha mãe não as comprava porque eram muito caras. Todavia aparecia lá no bairro de vez em quanto vendedores com caixas de bananas. Elas eram moles mas os preços eram baixos.  Cativava-me aquele aroma bastante agradável e tinham um aspecto delicioso. A minha mãe aproveitava a oportunidade e comprava. A partir daquele momento eu passava a ser o monstro das bananas.

Mas também é normal encontrar nos bairros as pessoas locais a fazer o seu business. E não estou a falar de venda de droga. Hà a dona Dóka, a vendedora de frutas e vegetais, o sítio mais provável de encontrar a mandioca; a nha Póla vendedora do bom tabaco, que livra das horríveis constipações; o desenrasca do Cabeçada que passa a vida a consertar tudo e mais alguma coisa, que é muito popular pela sua disponibilidade e esforço.

Assim, o povo toma conta do seu próprio destino. "Fitcha coragi e busca vida", essa é a regra.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Tenho um sonho

Ao entrar na Cova da Moura o retrato de Martin Luther King chama-me logo à atenção. Uma figura possante e marcante. Vários sentimentos ocorrem na minha cabeça e espalham pelo meu corpo. Penso no seu poder de liderança, no código de não-violência que apoiava, na persistência que tinha e nas maneiras que fazia protestos numa época muito racista. 

“I have a dream” foi a parte do discurso de Martin Luther King que gerou um sol radiante de esperança e alimentou as aspirações de milhares de pessoas nos Estados Unidos da América. Foi um discurso que veio ajudar a uma mudança política a favor de melhores condições para os negros. Imagino os olhos regalados, os ouvidos afinados e as emoções de todos aqueles que o assistiram.

Nesse mês de Agosto faz 50 anos desde que foi feito o discurso “I have a dream”. É importante relembrá-lo e continuar a passar a sua legacia para que fique presente na memória do povo. O sonho de Martin Luther King é de uma sociedade de igualdade, livre, justa e de irmandade. Todos nós herdámos a responsabilidade para continuar o seu trabalho.

Na Zona o retrato de Martin Luther King transmite uma mensagem dupla. Representa esperança mas ao mesmo tempo alerta que continua a haver pessoas que sofrem de injustiça e de discriminação. As pinturas dos Smurfs que agora o rodeiam desviam e menorizam o que ele realmente representa.

A luta continua…

domingo, 18 de agosto de 2013

O puto

Me lembro que gostava muito de jogar a bola com os mais velhos lá da minha rua. Isso fazia-me sentir valorizado. O campo era a estrada, logo à frente das nossas casas. Os veículos circulavam com velocidade, quer de baixo ou de cima. Mas a malta assim que ouvia o barulho de um motor, parava logo o jogo. Parecia natural sentir a vir o perigo.

Estar com as mãos no chão era normal e sabia bem. Ora era jogar ao pião, à malha ou ao berlinde. Este último era um dos meus preferidos. Toda a rapaziada da zona desafiava -se entre eles. Os mais graúdos tentavam sempre jogar com os mais novos para acumular o máximo de berlindes e juntar à colecção. Eu fazia de tudo para não enfrentá-los mas às vezes era impossível escapar aos desafios e as apostas.


















Os carros era uma paixão minha, quase todos que passavam a rasgar na estrada gritava eu "Kel la é di meu".  Isso ajudou para criação de carros de caixas de fruta e madeira. Para mim eram ocasiões especiais. Sentia uma adrenalina enorme ao descer pela rua abaixo no meu carro. Por vezes fazíamos corridas com um final sem troféu mas com um sorriso gigantesco. As derrapagens e as curvas que levantavam poeira era uma maneira de exibir e mostrar controlo total do veículo. Às vezes lá surgia o descontrolo e as tombas. Tinha outros amigos que construíam viaturas de arame e lata que também era cool, e artístico.

Outras coisas que fazia era correr para todo o lado com aros de bicicleta ou pneus encontrados no lixo. Para mim era uma simulação de uma mota, na minha cabeça imaginária. Os para-choques dos carros abatidos que encontrava eram a minha canoa para deslizar numa descida de terra qualquer. Naquela época ser criativo era importante porque brinquedos não tinham. Ali tudo se transformava.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Verdadeiro ou falso?

Falso foi o que pensei quando vi pela primeira vez a foto de uma parte da Cova da Moura pintada toda de azul com figuras do filme Os Smurfs. Que brincadeira de mau gosto, pensei. Pareceu um lugar de um outro planeta.

Pouco tempo depois a imagem veio revelar-se verdade. Fiquei chocado e confuso. E ainda por cima é uma publicidade de um filme que está nos cinemas. Será que ficou bonito? Tem graça? Terá alguma vantagem? Que benefícios traz? O facto é que nada encontrei de benéfico naquilo tudo. Muito pelo contrário.




















O bairro é um lugar com vários problemas. Uma delas é a manutenção das habitações. Há várias famílias que não conseguem manter a casa em condições, mesmo se quisessem. Será que os que tiveram a ideia da pintura aproveitaram dessa situação? E será que os habitantes aceitaram a ideia por causa disto? Porque entre pintar e não pintar obviamente a maioria escolheria o pintar. Eu não conheço os detalhes por detrás disso. Mas a realidade é, se fosse um bairro mais rico os habitantes de certeza não deixariam isso acontecer.

O que irá acontecer quando o hype acabar? Será que as casas vão ser repintadas?

E o estrago que foi feito à pintura de Martin Luther King. Que cena, que insulto. Meterias um calendário pornográfico por trás de um crucifixo? Obviamente que não. Nada ficou a condizer. O King é sinonimo de assunto sério, não de brincadeira.
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Por último, não gostava que a Cova da Moura viesse a ser identificada com a aldeia dos Smurfs. Já levámos com tanto preconceito, tantos estereótipos e piadas estúpidas.

domingo, 11 de agosto de 2013

Um lugar que chamamos de casa

Quando falo de casa, falo de um lugar de descanso. É como um barco atracado no cais depois de muitas agitações no alto mar. Ou o peito da Mamã aonde o bebé adormece depois de amamentar. Um lugar tranquilo e seguro. A minha zona, Cova da Moura, é esse lugar para mim.

Todos nós emigrantes ou imigrantes temos as nossas razões de sair do lugar aonde nós gostamos. Mas é sempre bom regressar as origens e se sentir em casa. Ouvir o funaná do vizinho, comer um gelado caseiro de Dona Noti, sentar com os amigos no Largo da Bola ou na Rua Principal e vaguear nos becos.


















Eu tenho a sorte de ter um lugar aonde voltar. Mas nem todos têm esse privilégio. Muitos bairros foram destruídos e os moradores foram realojados para outras áreas desconhecidas. A uns nem casa deram para orientarem á vida. Perderam o seu pedaço de terra, se assim posso dizer.

Nem imagino os vazios que sentiram e a desorientação que tiveram. Comunidades foram dispersas. Distanciaram famílias, amigos e vizinhos. Não foi só uma perda de morada, mas também de identidade.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Nha Zona

Tantas vezes penso no lugar aonde eu nasci. Na zona aonde cresci. No lugar aonde chamamos de casa. Nos colegas, no pai, na mãe, nas tias, nos tios, na irmandade na minha comunidade, nos bons e maus momentos. Acima de tudo é o lugar que eu adoro. Aonde a minha memória sempre volta.


Este blog é uma forma de partilhar convosco lembranças, experiências, noticias, músicas, histórias e outros assuntos das zonas. Compartilhar tudo isso é uma forma de manter perto de mim o que mais sinto falta. Para que "Nha Zona" seja um link para todos aqueles que vivem dentro ou fora da zona.