De vez em quanto ainda peço à minha mãe para me contar algumas
das suas histórias que passou em Lisboa. “Epá", diz ela, "nem
imaginas o que passei no meu primeiro dia em Lisboa. Grávida de cinco meses e
com três filhos não foi nada fácil. Aliás, foi um choque. Após várias
tentativas notei que ninguém queria alugar-me um quarto. Não era devido à falta de quartos mas sim porque muitos senhorios não alugavam a Africanos
na altura. Desmoralizei com a
situação. Mas graças a Deus apareceu uma Irmã da Santa Casa da Misericórdia que simpatizou-se
comigo e com as crianças e foi aí que tive uma ajuda. Não sei o que seria de mim se
isso não tivesse acontecido”.
“A situação era difícil”, continua o meu pai. “Também poucos que aguentavam
pagar um aluguer devido à falta de trabalho e a baixos salários. Uma maneira de ter um tecto era comprar terrenos ilegais vendidos muitas vezes por agentes da GNR, como foi o meu caso. Tudo tem um preço, nha fidjo”, diz ele. “Falam muito das
casas clandestinas mas não falam como foram adquiridas e nem do abuso que
sofríamos todos os meses pela GNR que queria mesada. Se não déssemos, ameaçavam logo em
deitar abaixo as nossas casas”, explica ele. “Os trabalhos eram a dias ou as
obras. Era sem um dia de descanso porque incluía as obras da casa aos domingos”, diz exprimindo-se com o seu punho, como se estivesse a mostrar
os sinais do trabalho duro.
Duro foi o efeito que teve na minha geração. Pouco era o apoio familiar devido a falta de tempo. Não haviam creches ou actividades
que poderíamos frequentar. Vaguear nas ruas ficou um hábito. O refugio eram os amigos e o companheirismo que
demonstravam. Por vezes não era a melhor opção, mas era o seguro e o familiar.
São tantas as histórias por aí mas precisam de ser ouvidas para continuarem vivas, prontas a serem divulgadas para a próxima geração.
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